O que me move à escrita é tão somente a paixão.

É sabido por todos que para contar uma história é necessário tempo e certo distanciamento dos fatos. Não é o caso. Meu exercício aqui é escrever uma história do lado de dentro, sobre trabalhadores que continuam criativos e ativos. Neste momento que escrevo esta brevíssima apresentação, o Gruta está reunido em minha casa, já preparando o próximo espetáculo. Dessa vez Henrique da Paz e Monalisa da Paz em um duo. Pai e filha na labuta do teatro, sob os olhares e a cumplicidade de meus filhos. Sim, nossos filhos. Afinal essa é uma faceta do Gruta que quero contar para vocês, trabalhamos em família.
Eu, casado com Monalisa que é filha de Henrique que é avó de Miguel e Mariana, nossos filhos, que também já trabalham no grupo. Essa é a premissa desse grupo com 48 anos de estrada. Pega todo mundo que tá do lado coloca no saco e vamos ao tablado. E tu achas que isso significa alguma condescendência ao elenco? Nada. Trabalhamos sempre na ponta da faca, com níveis de exigência lá em cima e, tanto faz se entraste agora no grupo, se é teu primeiro espetáculo ou se já tens estrada. É suor, amigo.
É desconstrução, é beira do abismo. Isso me interessou a entrar no grupo, a ficar, a seguir... e agora a pensar sobre o trabalho dele.
Entrei no Gruta quando ainda era Grupo de Teatro Amador, idos de 94 para fazer a sonoplastia de mais uma adaptação de “A Vida, que sempre morre, que se perde em que se perca?”, adaptação do Henrique da Paz para a tragédia Antígona, de Sófocles. E desde lá já havia uma piada interna do grupo quando o assunto era mandar um relise para o jornal: “um grupo de jovens estudantes secundaristas que se reuniam em Icoaraci...”, todos ríamos quando qualquer repórter perguntava: e como surgiu o Gruta, e lá vinha o Henrique com o texto mais do que decorado: “Um grupo de jovens estudantes secundarista que se reuniam em Icoaraci...”, as gargalhadas deste histórico do Gruta se perpetuam até hoje. Depois de 20 anos acompanhando o Grupo ainda encarno no Henrique diante dos relises.
Mas com o tempo, essa piada interna foi me despertando uma curiosidade, uma cisma e finalmente uma necessidade. Achei que estava ali, em uma piada há muito contada e partilhada pelos diversos integrantes que passaram pelo Gruta, uma boa história para contar.
Como um grupo de jovens na longínqua (à época) Vila de Icoaraci se reuniram para protestar, para se colocar diante do mundo, para falar de suas dores, amores e desejos? Baseados em que? Em quem? Numa época, e num Estado onde as informações demoram a chegar (antes da internet, claro), como aqueles jovens de Icoaraci reuniram informações para irem ao palco? Por que não montaram uma banda de rock? Por que não pintaram os muros? Por que o teatro foi a arte escolhida para colocar a boca no mundo?
Achei que estaria ai uma boa história a ser contada. E acertei (me desculpem a falta de modéstia), a história do Gruta esta recheada de acontecimentos. Desde a sua criação até o espetáculo mais recente, o Gruta pulsa.
Ao passar dos anos o então Grupo de Teatro Amador, passou a se chamar Grupo Gruta de Teatro, pois os seus integrantes observaram que o termo “amador” para a imprensa local e para muitos desavisados inspirava certo desleixo na construção de sua arte, e então decidiram suprimir o termo, colocando em ata o novo nome do Gruta.
Mas jamais modificaram o seu significado, pois o Amador, no sentindo daqueles que amam, está lá. Para sempre. Em letras maiúsculas. Se não, este livro não se chamaria ATO - A PAIXÃO SEGUNDO O GRUTA.
Boa Leitura.
(Texto de introdução do livro ATO - A PAIXÃO SEGUNDO O GRUTA)
"Como é um livro que mistura pesquisa e memória afetiva, não espere uma cronologia lógica. Decidi escrever o livro como é o exercício do pensamento que voa leve passeando por fatos velhos e novos, misturando algumas estações, conduzido pelo encadeamento dos fatos (e alguns até desencadeados mesmo), o livro é memória que é viva e é pulsante e é ladeira abaixo e é ladeira a cima." Adriano Barroso